Então, enquanto se faz um risotto, pensa-se. Muito. Eu deixei que o meu pensamento se orientasse para os dias que estão lá atrás e que este espaço me ajuda a rememorar. Porque me lembro de todos os dias com muita nitidez. E das pessoas que fizeram os meus dias. Todos os meus afectos, todas as refeições, todas as maneiras que fui encontrando de corresponder, de merecer os que me são próximos. De fazer coisas boas com o que me acontece. E sei que não estive sempre bem. No fundo, acaba por ser como com a comida. Vamos experimentando receitas, fazendo outras que conhecemos desde sempre. E às vezes falhamos. Nem sempre corre bem. Mas eu gosto da tentativa. Eu gosto muito de tentar sempre. Porque é muito bela, a tentativa. Pela ilusão que pressupõe. E eu sou como o meu filho: gosto de conservar ilusões e sonhos. De acarinhar a parte de mim que acredita como se fosse a primeira vez.
Por isso, depois de um dia absolutamente disciplinado, dedicado aos meus alunos e ao que quero tentar ensinar-lhes no próximo ano, cheguei a casa com uma sensação muito doce de final. O final de um ano muito bonito.
E de ser hora de guardar com cuidado as coisas que quero conservar. E vou conservar tudo. Porque tudo me acrescentou, mesmo o que não me confirmou, o que me negou. Ficou tudo integrado num risotto quentinho de espargos. A última refeição deste ano. Feita pelas mãos da Mar. Porque vou desaparecer só um bocadinho, para ir em busca de coisas que sejam de amar.
Até para o ano. E o melhor de tudo. Para todos os nomes que trago dentro de mim.