Chutney de cebola e pimentos doces


Cebola e vinho do Porto. Para juntar a queijo da Serra muito amanteigado. As associações agridoces não são pacíficas. Em todo o caso, eu gosto bastante de juntar sabores salgados e doces e ver o que daí resulta. Para além de tudo, faz-se rapidamente e pode constituir uma óptima entrada. Eu resolvi também transformar esta ideia num pormenor que tornou inesquecíveis umas postas de bacalhau que corriam o risco de ser indiferentes:)
2 cebolas cortadas em rodelas finas+ um pimento doce+um fio de azeite+uma pitada de sal+2 copos de vinho do Porto+2 colheres de açúcar mascavado.
Leva-se a cebola com azeite e sal, ao lume. Quando começar a ficar translúcida, junta-se o vinho do Porto e depois as duas colheres de açúcar mascavado. Depois, é só esperar que fique completamente translúcida e que o vinho do Porto reduza até ao ponto que quisermos (sem deixar avançar demasiado). Serve-se com tostas.


Para o bacalhau: Coze-se em água sem sal e deixa-se repousar durante dez minutos, depois de se retirar do fogo. Entretanto, leva-se ao lume meio litro de leite, sal, noz moscada e duas colheres de mostarda. Quando aquecer, junta-se um pouco de Maizena, para ficar com a consistência de creme. No final, junta-se as postas de bacalhau, envolvendo-as muito bem neste creme. Na altura de servir, o toque final do chutney transforma a refeição numa experiência sensorial que não se esquece tão cedo:)

Uma entrada sem nome

A receita não é minha. É da minha cunhada, a Mafalda. Uma óptima cozinheira, com quem aprendo sempre. Esta maneira de começar a refeição foi mais uma das coisas que aprendi, numa ida recente ao Porto, em que fomos recebidos com um creme misterioso de queijo e ervas e um vinho branco muito fresco e aromático. Enquanto olhava a cidade pela janela.
Ela deu-me a receita, que partilho, depois de a ter adaptado e dado a provar a sobrinhos com fome de leão, numa noite de sábado cheia de chuva:)
Primeiro faz-se a maionese. De uma maneira muito simples: meio litro de óleo num copo misturador, dois ovos inteiros, uma pitada de sal e pimenta preta. Depois, a parte divertida: coloca-se a varinha mágica dentro do copo e... magia. Começa a formar-se a maionese. Depois é só acompanhar a subida do creme com a varinha, até deixar de haver óleo. And it's done! Transfere-se para uma taça e junta-se o que nos apetecer: mostarda, ketchup, mais pimentas (verde, rosa, branca), orégãos... E depois, queijo mozzarella ralado. Mexe-se e leva-se ao forno. Dentro de um pão de mistura ou alentejano, a que se retirou o miolo. Neste dia, levei ao forno numa taça, porque tinha alguma pressa e precisava que o queijo gratinasse mais rápido, mas fica melhor dentro do pão. Depois, é só servir quente, com (muitas) tostas. Uma maneira muito boa de acolher, de dar as boas-vindas.
Um beijo para a casa que tem uma bela vista, para a Mafalda.

Elegia

As cidades são lugares onde muito acontece. Ao mesmo tempo. E às vezes, a um ritmo demasiado acelerado. E parece que não há tempo nem circunstância para olhar as coisas, para reparar verdadeiramente no que surge. Por mais que isto pareça um lugar-comum, tem, como todos os lugares-comuns, um fundo de verdade. Na minha memória afectiva, havia uma imagem que associava com carinho à cidade que tem a luz mais bonita. Lisboa era também a figura de um homem, a acenar com um sorriso às outras pessoas. Às pessoas que não conhecia de parte nenhuma, mas a quem sorria generosamente. Uma dádiva. Um presente. Um gesto quotidiano de acrescentar beleza e bondade à vida dos outros. Mesmo que esse gesto reflectisse a sua solidão. A necessidade de procurar os outros. Era assim que ele escolhia procurar os outros. De uma maneira aparentemente essencial. E o "senhor do adeus" tinha um nome. Chamava-se João Serra. E deixou ontem de existir. E eu quis escrever a morte de alguém que deixou de existir. E que foi, humildemente, significativo na vida das muitas pessoas que passavam por ali.
NB: A fotografia não é minha.

Bolo de citrinos


Este bolo ficou no ponto certo. O que é estranho, porque resultou de um acidente. Distraí-me enquanto estava no forno e, quando dei conta, o meu bolo de citrinos, em que eu tinha pensado tanto, não era dourado, mas sim castanho. Acontece. Mas não me apeteceu desistir, quis resgatá-lo da minha falha. E ainda bem, porque depois de lhe retirar aquele revestimento acastanhado, surgiu um bolo tão bonito. Após ter surgido como imperfeito. O que o torna ainda mais especial.
Agora a receita:
8 ovos+2 laranjas+1 limão+1 chávena de açúcar+1 chávena de farinha+100 g de manteiga.


Primeiro, as gemas são batidas com o açúcar, até obtermos um creme. Depois, junta-se a raspa dos citrinos e o sumo de uma das laranjas. Bate-se um pouco e, lentamente, acrescenta-se a manteiga derretida. Depois, junta-se a farinha e as claras batidas em castelo, de forma alternada. Leva-se ao forno. E nesta parte, eu não consigo dizer de quanto tempo é que o bolo precisa para ficar pronto, uma vez que o deixei queimar:) E, quem quiser, depois de desenformar, pode retirar a parte de fora e regar com uma calda de laranja e açúcar. E salpicar com raspas de citrinos. No fundo, acabei por descobrir uma outra forma de fazer bolos. O vinho do Porto também resultou de um erro, não foi? Aconteceu o mesmo com o meu bolo de citrinos.

Tarte morna de maçãs e canela




O Outono é sinónimo de finais de refeição doces e mornos. Por serem sabores reconfortantes, que nos fazem gostar ainda mais de estar em casa. E de prolongar os momentos na mesa. Esta tarte é incrivelmente fácil de fazer. E ocupa sempre um espaço muito especial nos meus jantares desta altura do ano. Tão especial, que desaparece sempre muito rapidamente. E basta fazer isto:
descascar cinco maçãs e fatiá-las. Depois, numa frigideira, derrete-se 50 g de manteiga e junta-se um copo de colheita tardia. Deixa-se dissipar um pouco e junta-se as maçãs. Ao mesmo tempo, acrescenta-se 5 colheres de açúcar mascavado, um pouco de canela e um punhado de frutos vermelhos secos. Depois, é só deixar que as coisas sigam o seu curso, até que as maçãs adquiram uma tonalidade dourada, como as folhas das árvores no Outono. Entretanto, numa forma com fundo amovível, há massa folhada, previamente picada com um garfo. No final, leva-se ao forno durante uns vinte minutos. E convém não esquecer de, a meio, espalhar um pouco de açúcar mascavado por cima, para caramelizar. E para que a tarte fique ainda mais bonita e irresistível. Deve ser servida morna. E muito bem acompanhada com um cálice de colheita tardia.
Quis partilhar também uma forma de tornar a mesa mais bonita. E simples. Maçãs, heras e vivás. E estes exercícios lembram-me sempre que não é mesmo preciso complicar muito. E que a beleza está sempre à frente dos nossos olhos. Basta estarmos atentos.

O céu visto do céu: homecoming

Uma imagem do céu perto de casa. E porque me lembrei de um documentário, que vi em tempos, O Belo e a Consolação. Uma conversa prolongada com um filósofo inglês, Roger Scruton. E ele falava disso, do significado de homecoming. Na sua casa no campo inglês, a beber chá por uma chávena um pouco esfacelada e a usar uma camisola com alguns borbotos. E então, mais até do que as palavras, conservei esta imagem, que para mim detém o significado real de casa. Principalmente depois de uns dias nos ambientes previsíveis e quase assépticos dos hotéis. Sítios onde não há loiça quebrada ou pó nas estantes ou compartimentos que não sejam climatizados. O regresso a casa também se faz disso: de amarmos a imperfeição que ela encerra. O ranger da porta de um armário, as sebes que precisam mesmo de ser cortadas, o chão dos terraços invadido pelas folhas de Outono. Todas as pequenas coisas que nos lembram a nossa imperfeição. Mas que nos reconfortam nessa imperfeição. Que nos abrem os braços em cada regresso. Porque sair de casa, às vezes, é querer voltar ainda mais.

Antes de jantar

Adoro o ritual de pensar antecipadamente nos restaurantes. De me dedicar, durante algum tempo, a procurar referências. E a tentar adivinhar boas memórias. Em primeiro lugar, porque gosto muito de fazer comida, o que significa que é inconcebível sair de casa para comer mal. Haveria algo de profundamente errado nisso. E depois, porque encaro cada restaurante como uma possibilidade de aprender. Por isso, antes de cada viagem, procuro ler. E pesquisar. E depois faço uma lista. Sítios ligeiros para almoçar, sítios um pouco mais especiais para jantar. Quando chego, é só pensar no que apetece. Desta vez, houve dois restaurantes. Que são de ir. Porque gostei muito. Da comida, em primeiro lugar. E dos espaços. Um deles, Pan de Lujo, foi feito a partir de uma antiga fábrica de pão, que tinha o nome curioso de Pan de Lujo. E ficou, pelos vistos. E um outro, Irocco. Um restaurante em que gostei de tudo, do início ao fim. Um espaço que parecia combinar o charme francês e nova-iorquino. E o melhor: fica mesmo perto da loja dos meus sapatos preferidos:) Os de sola vermelha.
E hei-de conservar também este momento, a ler na Vanity Fair um texto sobre a exposição do Mario Testino. Antes de sair para jantar. Gin tónico. E depois, os meus sapatos nas ruas de Madrid. Porque não gosto que não sejam usados. Como se fossem peças de museu. A beleza precisa de ser contemplada. E transformada em palavras. A mais recorrente destes dias foi esta: preciosos!

Hotel Sylken Puerta America

Arquitectos em peregrinação, japoneses silenciosos, deslumbrados com a simplicidade monacal da entrada do hotel, concebida por John Pawson. Como se fosse um templo. E não um sítio onde entram muitas pessoas, vindas de muitos sítios diferentes. Um hotel que consiste numa experiência. Em todos os sentidos. Diferentes entre si. Deixo um fragmento, para partilhar. E para aconselhar. Principalmente a quem gosta de arquitectura. Convém dizer que este sítio não se esgota nisso. Fiquei com a boa memória de um serviço muito atento, simpático e eficiente. E os pequenos-almoços. Irrepreensíveis. As únicas coisas a apontar: a localização e, curiosamente, a estética exterior do edifício. Mas mais a localização, porque não é central, o que implica algumas viagens de táxi. Mas compensou largamente pelo resto. E também pelas conversas de taxista sobre o José Mourinho e o Real Madrid:)
NB: Arquitecto cool e noivinha atarefada com centros de mesa, parece-me bem, não? :)



O que dizem os corpos

Kate Winslet, Nicole Kidman, Natalia Vodianova, Darya Werbowy, Demi Moore, Claudia Schiffer, Stephanie Seymour, Kate Moss, o rosto perfeito da Christy Turlington... Dava para continuar. Cinquenta e oito imagens. Cinquenta e oito maneiras de captar a fragilidade e a força de um corpo. Espinosa dizia isso, que "ninguém sabe a força de um corpo". Mario Testino deve saber. Porque os corpos surgem ali, à frente dos nossos olhos. Para que nos lembremos disso, de como um corpo pode ser simultaneamente frágil e poderoso.
Em contemplação silenciosa, num sábado de manhã. Mais uma memória.

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