Uma versão cubista de creme de chocolate


Lembrei-me de transformar o meu creme de chocolate com nougat de figos. Gostei da ideia de ver chocolate aos cubos. Com um pouco de doce de framboesa. Num espelho. E ficou muito bom:)

NB: A receita do creme de chocolate está algures no mês de Junho. É só procurar. E para fazer cubos de um pouco de creme, bastou juntar três folhas de gelatina à mistura de chocolate ainda quente.

Pastéis mornos de figos e queijo de cabra

Esta experiência foi inspirada numa outra experiência. E assim, da minha vontade de prolongar uma refeição num restaurante do Sul, nasceram uns pastéis muito delicados, em que eu procurei introduzir o licor de figos que me foi oferecido antes das férias.
E agora, começa-se pelo princípio. Faz-se uma redução com um pouco de licor de figos e vinagre balsâmico. Deixa-se evaporar um pouco e junta-se uma colher de mel. Entretanto, é só esperar que as coisas sigam o seu rumo, até que estes três ingredientes se harmonizem de tal maneira, que resultem num líquido denso e muito perfumado, a que juntamos figos cortados ao meio. E deixamo-los repousar enquanto fazemos o resto.
A massa em que envolvemos os figos e o queijo deve ser massa brick. Porque é muito ligeira. E não contamina os outros sabores. Não lhes retira protagonismo. E para conseguir o efeito folhado, basta ir pincelando as folhas com um pouco de manteiga derretida. Então, antes de ir ao forno, coloca-se uma fatia de queijo de cabra, um figo, outra fatia de queijo e finaliza-se com um fio daquela mistura aromática de mel, licor e vinagre balsâmico. Depois, podemos fechar a massa ou não. Eu fiz das duas maneiras e devo dizer que apesar de a variante fechada não ser tão apelativa visualmente, fica muito melhor no domínio que interessa mesmo: no dos sabores.

NB: O meu agradecimento renovado à professora Leonor Côrte-Real.

Pão e azeite de ervas


Uma formulação bem simples. Para tentar definir uma coisa igualmente simples. Que é pão frito em azeite e salpicado com ervas aromáticas. Manjericão, orégãos, tomilho. De lembrar que a ideia não é termos pão ensopado em azeite. Deve ficar crocante e dourado, por isso, o azeite deve ser colocado progressivamente, à medida que for sendo necessário.
E fica tão bom. Por ser um sabor delicado. E por ser uma maneira acolhedora de recebermos os que vêm para partilhar a mesa.

Bacalhau gratinado


Um dos recursos mais versáteis. E sim, apesar de previsivelmente se associar o sabor do azeite e da cebola a bacalhau, a verdade é que não há problema nenhum em sermos previsíveis, pois não? Esta versão de bacalhau gratinado foi feita com muita paciência, porque é feita por etapas. Daí que seja conveniente estarmos com aquele espírito e escolhermos uma música de acordo, para não nos evadirmos do caos que se instala na cozinha:)
E foi assim:
3 postas de bacalhau+6 batatas cortadas às rodelas+2 cebolas grandes+azeite (o que quisermos)+coentros+molho béchamel.

Antes de tudo, deve cozer-se as postas de bacalhau. E é mesmo conveniente que se faça assim: a partir do momento em que a água começa a ferver, desliga-se e deixa-se estar durante 10 minutos. Porquê? Porque nós gostamos que as lascas sejam perfeitas:) Depois, basta fritar as batatas. Desta maneira: antes de as colocar no óleo bem quente, devem ser "enxugadas" num pano. E assim ficam mais estaladiças. Entretanto, corta-se as cebolas às rodelas e fazem-se um pouco no azeite, numa frigideira.

Quanto ao molho béchamel... Não vale comprar já feito. Porque não é (tão) bom. E altera a consistência do gratinado. Por isso, faz-se em casa. Assim: meio litro de leite+50 g de manteiga+sal q.b.+pimenta branca+ 5 colheres de Maizena Express. Leva-se ao lume e vai-se deixando engrossar, mexendo para não criar grumos. Quando tivermos obtido um creme irresistível, juntamos os coentros picados. E este pormenor não é só um pormenor: o creme fica tão mais leve!
Para finalizar, fazemos camadas: primeiro de cebola, depois de bacalhau lascado, depois de creme béchamel, depois de batatas fritas e...mais creme béchamel no final. E vai ao forno o tempo suficiente para ganhar aquele aspecto apetitoso dos gratinados. Depois, basta escolher um vinho bem leve. Neste dia, cá em casa, bebeu-se um Alvarinho de Monção, Palácio da Brejoeira. Um jantar bem acompanhado:)

A razão de uma peregrinação



Há uma livraria. Em Santiago de Compostela. Que se chama Follas Novas. Aparentemente caótica, aparentemente desorganizada. Os livros estão por todo o lado. Em estantes que chegam até ao tecto. No chão, em cima de caixas. Nas mesas, nas cadeiras. Os livros parecem estar à solta. Muito livres. E o silêncio dos que lá trabalham. E um ramo de hidrângeas numa jarra. E do caos, surgem os livros. A literatura dos filósofos, dos místicos, dos matemáticos, dos músicos. E dos que fazem comida. Dos que pensam sobre a comida. Uma secção enorme de livros dedicada a uma das coisas que me é mais preciosa. Uma distância interior percorrida com tempo. E em silêncio. Como se deve a uma peregrinação.

Um jantar num hotel do século XV



Este é um dos sítios mais bonitos em Santiago de Compostela. Bem junto à Catedral. Um hotel que serve de refúgio a peregrinos. Desde há muito tempo. Grandioso. Luxuoso. Mas que convida à contemplação, à meditação. Pela quietude dos jardins interiores. Pelo silêncio imemorial das pedras. E eu gostei mesmo de jantar lá. Apesar das reservas que costumo ter, em relação aos restaurantes de hotel. Pois esta refeição fez-me rever esse ponto de vista. Por ter sido tão especial. Acho até que me reconciliei com os espargos verdes. Tanto, que até lhes vou dar mais hipóteses nas minhas experiências:) E gostei tanto da simplicidade quase monástica das mesas. Uma maçã. Uma folha verde. E a luz de uma vela.
Não é difícil de encontrar, este espaço. A seguir à catedral, deve ser o sítio mais emblemático da cidade. O Hotel dos Reis Católicos. Ali. Desde o século XV. Ainda há coisas que perduram, apesar da voracidade impiedosa do tempo.

Café Casino


Era uma das minhas memórias mais preciosas. Sempre que pensava em Santiago de Compostela, lembrava-me dos lustres do Café Casino. E tinha receio de que já não existisse. Estes cafés têm desaparecido. No Porto havia. E em Lisboa também. E desapareceram. Mas este permanece. E eu fiquei feliz por ter terminado lá uma noite. Num sítio com sofás e com um piano. De janelas largas abertas para a rua. Onde as pessoas estão. Mesmo. Sem parecer de passagem.
Resta esperar que não se perca. Que não se torne de tal forma insustentável, que tenha que ser encerrado. Por ser uma coisa de um tempo que parece irrecuperável.

Borsalino em Santiago de Compostela?



Pois. Quais seriam as hipóteses, à partida, de encontrar os chapéus mais bonitos e mais míticos, no norte de Espanha? E não é que havia? Numa loja bem antiquada, bem pequena. Acho curioso as lojas de chapéus serem sempre exíguas. Em Milão, a Borsalino é um espaço contido, onde se pede licença para qualquer movimento. As pessoas têm que esperar cá fora para serem atendidas. Em Santiago, aconteceu o mesmo. Mas gostei tanto das caixas de chapéus. Muito britânicas. E o senhor falou dos chapéus que vinham de Inglaterra. E da falência das fábricas de chapéus. E dos chapéus italianos. Borsalino. Que felizmente continuam a ser feitos em Itália. E não na China.
Então, para quem gosta de chapéus, fica a referência: Sombreteria Iglesias. Em frente ao Café Casino. Um sítio especial. Para conservar na memória.

Um espelho e cristais



Gosto muito dos domingos. Principalmente das manhãs de domingo. Porque invariavelmente tenho vontade de preparar com muito cuidado a mesa do almoço. E apetece quase sempre ouvir ópera. Árias escolhidas, celebradas por vozes femininas. Vissi d'arte, Un bel di vedremo e a minha preferida, Casta Diva. Desta vez, lembrei-me de um espelho. E depois quis ver como é que ficava o reflexo de alguns cristais. Pisa-papéis de cristal e frascos pequenos de essências.
Então, no centro da mesa, enquanto almoçava, havia pedaços de céu e os ramos das árvores. E a música a espalhar-se pelo jardim.

Mousse de Maracujá


A melhor maneira de assinalar o regresso a casa é mesmo através da comida. Neste caso, através de um doce que eu já tinha feito, mas de que não tinha deixado receita. O que é imperdoável. Porque esta mousse apetece mesmo. Por ser tão fresca. E por combinar tão bem o doce com a acidez ligeira dos maracujás.
Então, ao som da voz do Billy Corgan dos Smashing Pumpkins, fui fazendo um doce que não absorveu a agressividade da música. E que resolvi associar à simetria helénica do rosto de um Adónis adormecido no meio das heras e à delicadeza de uns copos de cristal, muito anteriores a mim. E foi assim:
Retira-se com uma colher a polpa de dez maracujás e coloca-se numa taça. Entretanto, há uma lata de leite condensado a aquecer em banho-maria e duas folhas de gelatina branca a ser demolhadas em água bem fria. Depois de se retirar a polpa, bate-se dois pacotes de natas. E na hora de harmonizar tudo, faz-se assim: dissolve-se as folhas de gelatina no leite condensado e junta-se esta mistura à polpa de maracujá. Depois, é só integrar as natas batidas nesta mistura, colocar numa taça e levar ao frigorífico.
NB: Nunca usar polpa de maracujá em lata. Porque é um líquido incaracterístico, sem a beleza das sementes destes frutos tão especiais. E para se sentir mesmo a frescura e a leveza deste doce, deve levar-se ao congelador uma hora antes de servir.
Um doce de Verão. Depois de um jantar de Verão. A ouvir An ode to no one. Mellon Collie and the Infinite Sadness.

O caminho de regresso


Antes da viagem longa, houve uma última imagem do Caminho Velho. Que leva à casa de Lagos. Que levava à casa de Lagos. Sempre com hibiscos. Por todo o lado. As flores que gostam do mar.

A midsummer night's dream


Não, não vou falar de Shakespeare. Embora adore o nome da peça. A midsummer night's dream. Faz pensar em fadas. Dramatis Personae. Oberon, king of the fairies. Titania, queen of the fairies.
Vou falar de um jantar. Num restaurante que não é indiferente. E de uma refeição com alma. Numa mesa partilhada com amigos.
O restaurante chama-se Casa do Campo. E fica em Almancil. E o melhor espaço de refeições deste sítio muito especial é cá fora, debaixo de uma figueira centenária, que se espalha pelo jardim, sustentada por traves enormes de madeira que foram acompanhando a evolução da árvore que tem a força de uma mãe. Uma noite feérica, porque havia velas espalhadas pelo jardim e a flutuar na água de um pequeno lago. E lanternas suspensas dos ramos da figueira. E a comida. O mais importante. Uma boa memória. Feita de sabores. E de aromas. E de conversa prolongada até muito tarde, como é bom nas noites de Verão. E o meu filho adormecido no meu colo, aconchegado e exausto, mas com uma expressão de tranquilidade e de felicidade no rosto. Indizível.
E não resisto a partilhar uma das falas iniciais da peça. Pela ressonância das palavras.
Four days will quickly steep themselves in night;
Four nights will quickly dream away the time;
And then the moon, like to a silver bow
New bent in heaven, shall behold the night
Of our solemnities.

Uma composição


No mercado de Lagos havia corvinas fresquíssimas e enormes, que mereceram ser fotografadas várias vezes. Dignas de todos os olhares. Este é um dos meus peixes preferidos e é muito fácil de tratar. Pedi que fosse cortado em postas com alguma espessura, para conservar a forma depois de cozinhado. E depois foi só temperar com o básico: sal e limão. Esperar um pouco, entre um mergulho e outro, para que tomasse o gosto do tempero. E fazer um belo almoço de Verão, mesmo muito rápido. Azeite numa frigideira, algum cebolinho cortado e tomate coração de boi. Depois de uns cinco minutos, acrescenta-se o peixe e deixa-se fazer de um lado e do outro o tempo suficiente. E já está! E fica mesmo muito bonita a posta de peixe coroada com o verde do cebolinho e o vermelho sangue do tomate.
Acrescenta-se vinho branco muito fresco e o mar à frente dos nossos olhos. Bem melhor do que esperar horas por uma refeição sem alma num restaurante indiferente, não?

Os vendedores de sabores mais simpáticos do mercado


A Dª Deolinda e o Sr. Jorge Costa têm mesmo um sorriso simpático. E já sabem que quero sempre muito cebolinho e ervas que dão aromas à comida. E as frutas. Seguramente, as mais doces do mercado de Lagos. Um deleite para os sentidos, a banca mais colorida. Ameixas, figos, melancia, cerejas. Gosto de me demorar lá, apesar do meu sentido prático:). E hoje, no meu cesto, veio um saquinho cheio de beldroegas selvagens, com umas folhas pequenas e delicadas, que eu vou integrar num creme de tomate e coentros oferecidos pelo Sr. Jorge. Depois dou notícia de como correu!

Camarões gigantes


Todos os dias. Excepto ao domingo e à segunda-feira. Porque não há. As solicitações do meu adorável filósofo são muitas. E apesar de eu não ser tão apreciadora destes camarões quanto ele, atendo diariamente a este pedido. E assim, dirijo-me à banca dos frutos do mar, onde um senhor muito simpático, com ar de avô, me estende um saquinho com gelo e com estes tigres lá dentro. Que eu procuro domar, numa frigideira com azeite e alhos, depois de os temperar com sal e limão. Basta fritar. E virar de vez em quando. No fim, junta-se coentros. E serve-se com fatias de pão alentejano.

By the pool


Uma das coisas que faço muito frequentemente é massinhas com peixe e gambas. Desta vez, usei só gambas. Porque não resisti à vontade de lhes dar protagonismo. E juntei muitos coentros e algum manjericão. Depois, cristalizei a minha massa junto à água. E juntei algumas flores do jardim junto ao mar.
NB: Duas coisas a reter: as gambas juntam-se à água, assim que ferver e retiram-se dois minutos depois. Depois, junta-se a massa e vai-se descascando as gambas, reservando as cabeças. Porquê? Porque quando a massa está quase no ponto, espreme-se o conteúdo das cabeças dos bichinhos, para acentuar o sabor a mar.

Joana, minha amiga vegetariana, perdoa as barbaridades que eu faço às pobres gambas, sim? :) Mas compensei a ouvir a música dos meus dezoito anos e a lembrar a festa que fizemos junto à tua piscina, enquanto comíamos a melhor pizza vegetariana do mundo. Great Expectations:)

Uma noite em Lagos. Sem vento?


A caminho de uma noite de jazz, na Taberna de Lagos. Um sítio onde se está prolongadamente. De inspiração marroquina, ao lado de uma galeria onde conheci um casal muito simpático de alemães. Um poeta/pintor alemão. Timo Dillner. I loved your paintings and the poems. Thank you:)
E sim, pode ser estranho, mas não se tem sentido vento em Lagos. Nem mesmo à noite.

Creme de cebolinho perfumado com manjericão


Há muitas maneiras de fazer sopa. Mais elaboradas ou não. E depois, há esta sopa. Quando regressei do mercado com um cesto cheio de legumes e ervas aromáticas, tive mesmo que começar por uma sopa. A base é muito...básica. Mas o que vem depois, pouco antes de ser servida, é que a torna tão especial.
Mas é melhor começar pelo princípio: faz-se um refogado normal, com cebola e azeite. Leva-se ao lume e, progressivamente, vai-se juntando tomate coração de boi cortado em pedaços (basta um), duas batatas em cubos, uma courgette e duas cenouras. Deixa-se fazer um pouco no azeite e vai-se adicionando água aos poucos e sal, para ir ganhando sabor. Quando os legumes estiverem cozidos, passa-se muito bem com a varinha e junta-se cebolinho cortado muito fino. Deixa-se cozer um pouco, enquanto preparamos a parte melhor: cortar tomate coração de boi muito maduro em pedaços pequenos e picar folhas frescas de manjericão. Então, antes de servir, coloca-se um pouco do tomate picado no centro do prato e manjericão picado (não muito, porque o sabor desta ervinha é bastante intenso) e finaliza-se com um fio de azeite.
Os comentários foram: absolutamente deliciosa! Apesar de ser temerário dizer de algo que é absoluto, por ser um termo tão denso, a verdade é que por vezes, as coisas mais simples enchem-nos de uma forma que é assim mesmo: absoluta.
E a música que me acompanhou, enquanto fazia esta sopa tão aromática, foi a banda sonora de um filme cheio de imagens fortes e belas. Great Expectations. A voz da Tori Amos e depois a voz do Chris Cornell, dos Soundgarden e a música dos Pulp. Acho mesmo que a comida colhe estas coisas todas. A música, a nossa disposição. Acaba tudo por ser integrado.

A Mar a ver o mar:)





O mar que vejo todos os dias. Ao fundo de um jardim um pouco indisciplinado, com arbustos e pinheiros mansos e flores com aromas doces e secos.
E o meu cesto de todos os anos. Que vai ao mercado e se enche de figos e ovos frescos e muitas ervas que dão cheiro à comida. E os peixes de que fala a Sophia de Mello Breyner nos poemas sobre Lagos. Eu gosto do sol e até da areia. Mas o melhor de tudo é sair de casa bem cedo, em direcção ao mercado. E é sempre a mesma coisa: dou uma primeira volta pelas bancas, para ver o que vou levar e para comparar os preços (sim, sou uma cliente criteriosa, mas sorridente:). E depois subo à zona dos vegetais e das frutas e do mel e das ervas que perfumam a comida.
Os mercados apelam aos nossos sentidos, pela profusão de tudo. Dos cheiros, das cores, dos sons. Um ritual de todos os dias. Excepto ao Domingo, porque está fechado:(

Antes de ir


Vim despedir-me do jardim. Antes de ir para junto do mar. E eu sei que vou ter saudades do verde das heras e das árvores. Mas há-de haver outras coisas. As cores do mercado, que eu partilhei o ano passado. E que voltarei a partilhar, certamente. E as coisas que eu faço com as cores do mercado da Sophia de Mello Breyner.

Boas férias!

Uma interpretação


Aqui está uma sopa que pode ser aquilo que nós quisermos, entre o leve e o substancial. Claro que com este calor, optei por fazer com que ela fosse mesmo etérea. A inspiração é italiana, porque me lembrei de um certo caldo de legumes, a que os italianos dão o nome de minestrone. Pois esta é a minha interpretação dessa sopa que não tem uma receita específica. Mas que eu quis que fosse delicada, com os vegetais cortados em cubos muito pequenos.
E foi assim:
Pica-se uma cebola, junta-se azeite e três tomates maduros sem casca e cortados. Deixa-se fazer um refogado muito breve e junta-se água. Entretanto, é só ir juntando os nossos vegetais preferidos (aipo, courgettes, cenouras, pimentos de várias cores e cebolinho). Deixa-se cozer durante uns vinte minutos, junta-se sal, açafrão e mais cebolinho. E serve-se com muito gosto, enquanto a música sacra se espalha pela casa e pelo jardim.

NB: Um beijo de boas-vindas à professora Leonor Côrte-Real. Pela conversa tranquila. E pelo licor de figos que me ofereceu, que eu hei-de procurar transformar com muito gosto.

Suspiros, amoras e nuvens de natas


Um doce feito muito rápido. Porque me apetecia mesmo. E não queria elaborar muito. E tinha imensos ovos (sim, as galinhas da minha empregada continuam animadas, apesar do calor e continuam a pôr ovos como se não houvesse amanhã:)). Então, olhei para um frasco cheio de suspiros e imaginei-os com natas, doce de ovos e amoras.
Eu sei que o doce de ovos é tido como algo muito difícil de fazer. Mas não é. Basta isto:

6 colheres de água+seis colheres de açúcar+6 gemas de ovos.
Leva-se ao lume a água e o açúcar e deixa-se ferver durante 5 minutos, para ficar no ponto certo. Entretanto, mexe-se muito bem as gemas. Quando a calda de açúcar estiver pronta, retira-se do fogo, deixa-se acalmar e mistura-se as gemas com muito cuidado, usando um batedor de varas e leva-se ao lume novamente, até ficar com a consistência de creme. Neste momento convém ser vigilante, caso contrário, temos ovos mexidos doces:) Transfere-se depois para uma taça, para não deixar que o calor altere o nosso doce de ovos. E pronto. O primeiro passo já está dado. A seguir, basta bater um pacote de natas e misturar seis suspiros partidos (mas não pulverizados:), que é para se sentir a textura misturada com as natas.
Meia hora antes de servir, faz-se uma espécie de composição poética. Então, colocamos as natas, o doce de ovos e deixamos cair negligentemente algumas amoras. E leva-se ao congelador em copos individuais.
Don't you just love the mirror and the skull? :)
NB: E já sei quem é a Clarinha dos comentários! Um beijo para ela. E para a Isa.

Just for fun:)


Bem, as minhas amigas Helena e Vanessa queriam mesmo muito fotografar o ícone do Andanças (a caneca reutilizável), pendurada na minha carteira bem-comportada:). Assim, numa destas tardes de muito calor, bem no meio do festival, ficou cristalizada uma imagem curiosa. E as minhas sandálias eram, provavelmente, os únicos saltos daquele recinto:).

A verdade é que este festival acaba por ser mesmo diferente de todos os outros. Primeiro, porque as pessoas se juntam por causa da dança. E muito especialmente por não haver lixo espalhado por todo o lado. E por haver um esforço concertado de todos para haver bom senso nos resíduos que resultam destes ajuntamentos. Nos espaços dedicados às refeições há um apelo constante ao que se designa como A Dose Certa. Ou seja, incentiva-se as pessoas a comer de acordo com as suas necessidades, para não haver tanto desperdício. Para além disso, cada um pode trazer a sua loiça, que depois é lavada e guardada num "pratário", para ser utilizada durante os dias em que decorre o Andanças. De acrescentar que os resíduos orgânicos são aproveitados para compostagem, assim como os copos de papel dos cafés. E não há colheres de plástico, que se usam uma vez para dissolver o açúcar do café, para irem de seguida para o lixo.
É ou não um festival diferente? Basta lembrar-me das pilhas de lixo no Sudoeste ou dos (milhares) de copos de cerveja no Optimus Alive, para estabelecer uma diferença.
E está quase a terminar. E foi bom, porque nunca tinha vivido o festival por dentro. Acabou por resultar bem, o facto de estar a trabalhar durante estes dias. Só vinha dançar. Muito. Tudo o que pudesse.

NB: Uma saudação muito especial à equipa do Jornal do Andanças. Por ter sido muito bom trabalhar com cada um.

Massa com sabor a mar


Uma coisa bem simples. Vegetais salteados, massa e gambas frescas. Uma das coisas boas dos salteados é que são inacreditavelmente fáceis e rápidos de fazer. E são uma maneira de manter a beleza e as cores dos vegetais. A verdade é que depois de um dia de calor intenso, convém dosear o tempo que se passa em frente ao fogão. Por isso, escolhi uma massa de ovo, que se coze em água, sal e um fio de azeite, durante uns escassos cinco minutos. E fica delicada. E absorve bem os sabores que depois lhe são acrescentados. E depois foi só cortar os vegetais que me apeteceu usar: courgettes, pimentos doces (vermelhos e laranja), rabanetes, cenouras, tomate-cereja. E cebolinho. Muito cebolinho. A erva aromática que deixa uma marca muito suave, que não perturba o resto. Que se coloca no fim de tudo, quando a massa já está harmonizada com os vegetais.
A sequência de um salteado é simples: coloca-se azeite numa frigideira e deixa-se aquecer (não muito). Depois, junta-se os vegetais cortados (excepto o tomate-cereja, que deve ser adicionado pouco antes de retirar do fogo), tempera-se com sal e vai-se salteando. Entretanto, é altura de temperar. Sal, pimenta moída na hora, vinagre balsâmico, molho inglês, açafrão. A gosto. Junta-se depois a massa (esta foi feita na água onde cozi as gambas), envolve-se com cuidado. E a parte melhor: o cebolinho. Para perfumar tudo. Sem retirar protagonismo ao que já lá está.

Mousse de banana, praliné de amêndoas e amoras



E o primeiro dia de um mês novo não podia passar em branco. Tinha mesmo que ser assinalado. E a inspiração veio de um almoço no Cafeína, no Porto. Porque a minha sobremesa foi uma mousse de banana. Que procurei recriar. Ou reinventar. Então, ao final da tarde, para celebrar o dia, resolvi fazer uma bela mousse. Que resolvi harmonizar com praliné de amêndoas. E amoras gigantes. Ao som de Mouth, dos Bush. Uma música que não ouvia há (mesmo) muito tempo.
E correu tudo muito bem. Aqui fica a receita:
4 bananas+2 pacotes de natas+1 lata de leite condensado+75 g de praliné de amêndoas+6 amoras (ou as que quisermos).

Reduzir as bananas com a varinha mágica, juntar o leite condensado. Incorporar depois as natas batidas e metade do praliné (ligeiramente despedaçado) e envolver com cuidado. Colocar numa taça e salpicar com mais pedaços de praliné. Finalizar com as amoras. E levar ao frio.
Esta mousse deve ser servida bem fresca. E se não houver muito tempo, pode colocar-se em taças mais pequenas, para acelerar o processo. Neste caso, resgatei as taças de cocktail do seu propósito mais comum. E até que resultou bem:)
NB: O meu agradecimento à Clarinha. Que não conheço pessoalmente. Mas devo agradecer pelo que escreve. Por ser um estímulo. Por isso, a minha experiência de hoje foi uma homenagem humilde às palavras que vai deixando. E a todos os que gostam de mousses de frutos.

Sinfonia gastronómica (música, eros e cozinha)


Um presente. Uma pequena preciosidade, para circunstanciar mais o meu gosto de sempre pela comida, pelos prazeres que proporciona. E a relação entre a música, o erotismo e a cozinha é algo que, intuitivamente, aceitamos como óbvia. Mas este livro confere densidade a essa intuição. Contextualiza-a. Pela História, pela Filosofia. E começa assim:

"No seu esplêndido livro A Fisiologia do Gosto, Brillat-Savarin distingue o prazer de comer do prazer da mesa. O primeiro (comum a homens e a animais) é a satisfação simples e imediata de uma necessidade fisiológica. O segundo, próprio do homem, é: a sensação reflectida que nasce de circunstâncias feitas de factos, lugares, coisas e pessoas que acompanham a comida."

E sim, a comida, para mim, está sempre ligada às pessoas, aos lugares, à música. Não será por acaso que procuro descrever tão exaustivamente a circunstância em que faço as minhas experiências. A música que acompanhou o momento. As pessoas que estavam. A chuva. Ou o sol. A melancolia. Ou a exaltação. Um esforço permanente de conservar. De guardar a memória de uma tarde passada a fazer um jantar. Ou de uma manhã a escolher toalhas e loiça e copos. Ou a colher flores. Para um almoço. Para que nada se perca. Mesmo quando deixarmos de existir.
Quanto ao erotismo...Está sempre presente. Nos sabores. Que nem precisam de ser afrodisíacos. Não gosto especialmente desta categoria. Primeiro, porque não acredito que um sabor por si, faça milagres. E por achar que, neste campo, o verdadeiro erotismo reside nas pessoas e naquilo que elas colocam de si num ritual primordial.
O livro é um achado. E é editado por um dos filhos da Duquesa de Alba, que se dedica a trazer à luz estas e outras coisas.

Deixo o link da editora, para quem partilha o gosto pela comida. E pelos outros prazeres.


NB: E a música que hoje se espalha pela casa é Mew. E Arcade Fire.

Sobre a beleza de um fruto de Verão


No primeiro dia do mês de Agosto, depois de o último dia de Julho ter sido de absoluto "dolce fare niente", quero falar de como tornar ainda mais apetecível um fruto de Verão. Basta uma colher própria para estas coisas, um pouco mais pequena do que as de gelados. Para recriar a maneira como se come melancia. E então, numa taça, faz-se uma pequena torre, que cresce ao ritmo da nossa paciência. E deixa de haver sementes incómodas e sumo de melancia a escorrer. Ficamos só com o lado apelativo do fruto. Que é belo por si. Mas a que acrescentei uma taça de cristal e as primeiras flores das lageostremias indicas, que nesta altura do ano, pontuam o jardim com pontos exuberantes de rosa. No meio do verde selvagem das heras e das árvores. E do silêncio do caminho de pedra.

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